sábado, 9 de janeiro de 2010

Energia



Álcool subirá até onde o consumidor aceitar, diz associação



Peter Fussy

Direto de São Paulo





Os preços do álcool combustível subiram de forma generalizada no segundo semestre do ano passado, devido principalmente à expectativa de baixa oferta no período de entressafra. E podem continuar a subir enquanto o consumidor aceitar, segundo o diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), Antonio de Padua Rodrigues.



Um levantamento da Agência Nacional de Petróleo (ANP) mostrou que a média do preço do etanol hidratado no País subiu de R$ 1,392 em junho do ano passado para R$ 1,775 na última semana - um salto de 27,5%. Em 19 Estados e no Distrito Federal já é mais vantajoso abastecer veículos flex com gasolina.



De acordo com Padua, o valor de equilíbrio do litro do álcool é entre R$ 1,40 e R$ 1,50, mas os produtores estão tentando recuperar o prejuízo dos primeiros meses de 2009 e vão forçar o preço até os motoristas de carros flex - cerca de 40% da frota - deixarem o combustível renovável de lado e voltarem a abastecer com gasolina.



Confira a seguir entrevista com o diretor técnico Unica, que reúne 119 companhias responsáveis por cerca de 50% do etanol e 60% do açúcar produzidos no Brasil.



Terra - Alguns postos de São Paulo já cobram R$ 1,99 por litro do álcool e no Acre o preço máximo é de R$ 2,84. Até onde pode chegar o preço?

Antonio Padua - Até onde o consumidor aceitar. No nível de preço desta semana, o etanol já perde a competitividade e deve ter uma forte migração para a gasolina. Então, o mercado vai se ajustar. Existe álcool disponível, não do tamanho da demanda que foi criada nos primeiros seis meses do ano passado, quando o produtor vendeu a R$ 0,60 o litro - preço que não remunera a atividade - e agora está vendendo a mais de R$ 1,20. Nem o preço de agora é real, nem o do passado. O preço de equilíbrio deveria ficar entre R$ 0,90 a R$ 1 para o produtor, o que seria para o consumidor mais ou menos entre R$ 1,40 e R$ 1,50.



Terra - Então o consumidor está a mercê deste mercado. Existem outras influências sobre o preço do álcool?

Pádua - A oferta foi reduzida. De um lado tivemos um período de safra entre abril e outubro e a partir daí começou o movimento de preço onde o etanol começou a perder competitividade nos Estados mais longínquos, onde tem maior carga tributaria e maior parcela de frete. Este movimento chegou a São Paulo. A safra de etanol foi menor que a do ano anterior - moeu-se mais, só que de produto foi 2% a menos. Então, de um lado não temos incremento na oferta e, de outro, temos incremento na demanda de 20% a 25% por conta dos veículos flex. Não tinha como manter o mercado ofertado. Havia expectativa de ter muito produto, então as empresas venderam a qualquer preço, abaixo do custo de produção. As empresas que ficaram estocadas, neste momento estão tentando recuperar grande parte dos preços.



Terra - Essa alta dos preços afeta a credibilidade do projeto do álcool como principal combustível para os carros brasileiros?

Padua - Não, o que não pode é vender álcool a R$ 0,60 (para o produtor). O preço baixo é que ameaça o programa. O preço remunerador estimula empresas a plantar cana e criar novos projetos. O que move a economia é uma atividade que tenha remuneração. Em alguns momentos haverá maior oferta de cana e teremos outro patamar. Só espero que não volte a R$ 0,60, não é possível que alguém sobreviva com este preço. O resultado que vemos agora vem do sucesso dos carros flex, que são 40% da frota, no qual o consumidor tem a opção e pode migrar para a gasolina por alguns dias. Mas este patamar lato só incentiva os produtores.



Terra - A recente escalado do preço do açúcar no mercado internacional afeta de algum modo a oferta de álcool no País?

Padua - Não. Por causa da capacidade instalada, a oferta de álcool sempre será maior que a de açúcar. Não é em um estalar de dedos que todo mundo vai fazer investimento em açúcar. Se o preço for atrativo, remunerador e tiver uma boa taxa de câmbio, o empresário vai fazer açúcar no limite de suas fábricas. Mas não vai comprometer a produção de etanol - 57% da cana é destinada para produzir etanol. Produzimos açúcar com a capacidade instalada de dois anos atrás, quando priorizamos a produção de etanol e ficamos com mais de 2 bilhões de t de açúcar estocados. Por isso, estamos exportamos 4 bilhões de t de açúcar, porque carregamos o estoque por dois anos enquanto não tinha preço remunerador. Agora as empresas estão desovando os estoques. Na próxima safra, com a volta das condições climáticas favoráveis, vai crescer a produção de açúcar e de etanol, com uma oferta mais equilibrada.



Terra - O governo pretende reduzir temporariamente a mistura de álcool na gasolina, atualmente em 25%, no período da entressafra, mas a Única já afirmou que a medida não deve afetar os preços. É possível que um dia o preço seja mais estável?

Padua -Depende da estrutura do mercado. Se continuar a vender etanol olhando o preço da semana anterior e com as empresas sem capital de giro, o mercado vai continuar com muita oferta em um período e pouca em outro. É preciso criar uma estrutura de mercado mais compatível. É preciso repetir a tentativa que ocorreu no ano passado de financiamentos de estoques pelo governo, mas que não chegou ao produtor por conta das garantias. Saindo de uma crise mundial, as empresas não conseguiram tomar os financiamentos para reduzir a oferta no período de safra. Esperamos que esta medida volte a ser praticada neste ano. Outra estrutura é a criação de uma bolsa de futuros, onde as empresas possam fazer hedge (proteção) com o preço do etanol. As novas regras de comercialização anunciadas pela ANP no final de 2009, criam a possibilidade da existência de um contrato de etanol no mercado interno. Além disso, permite a criação de empresas de comercialização de etanol, que podem financiar os estoques, equilibrando a oferta.

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